Crítica: ‘Jardim Europa’ mostra cidade nonsense ao observar burguesia de SP – Ilustrada – Folha de S.Paulo


Jardim Europa

Por Inácio Araújo

O que é São Paulo? A esta pergunta clássica do cinema paulista, pode-se responder a partir da produção (“São Paulo S/A”), da relação entre centro e periferia (os filmes de Reichenbach), ou, o que é mais frequente, da periferia, seus crimes e mazelas.

“Jardim Europa” busca a resposta em outra parte. No Jardim Europa, justamente. Na porção mais tradicionalmente rica da cidade. Mas, em vez de observá-la na hora da ascensão, é no momento da decadência que Mauro Baptista Vedia vai apanhá-la.

Ora, o modelo de representação da decadência, até hoje, era dramático: “A Moratória”, de Jorge Andrade. Aqui, estamos na comédia. É uma família que pena para viver na riqueza, fazendo as contas para pagar o IPTU ou as gigantescas despesas telefônicas.

Quem tenta organizar as coisas é o filho. A mãe e as filhas parecem alheias ao problema. Na riqueza, a cultura paulista confinou-as num mundo de conversas banais, vazios supridos pelo consumo.

A esses personagens vêm juntar-se os da classe média: o pacato livreiro e sua irmã histérica. E há, por fim, o lumpesinato, na pessoa do rapaz semianalfabeto que trabalha na livraria. As divergências entre eles é superficial. Todos parecem existir em função do Jardim Europa: é a partir desse coração do capitalismo que parecem nascer as ideias.

Ao captar a decadência, o uruguaio Vedia não pretende prever o apocalipse das classes altas, mas sua insuficiência. Daí evolui para o “slapstick” (gênero de comédia baseada no comportamento excêntrico dos personagens).

São Paulo, que se vê tão central e imponente, no olhar original de Vedia, emerge como capital do nonsense, da bagunça acéfala, ponta de lança de um capitalismo sem eira nem beira, cuja ausência de valores dissemina e partilha com as classes inferiores.

Temos não a comédia burguesa, mas uma comédia da burguesia. Não a observação ressentida desse mundo, mas algo que vem de dentro: essa classe que orquestra o mundo ao seu redor, como se relaciona com ele? E vice-versa?

Deste filme de muitas virtudes, não se pode deixar de notar os defeitos, como as excessivas limitações da produção, que impedem um desenvolvimento dramático mais fluente e favorece o pouco desenvolvimento de certos personagens. O conjunto, no entanto, revela um olhar interessante sobre São Paulo-Brasil: um olhar estrangeiro.

JARDIM EUROPA

DIREÇÃO Mauro Baptista Vedia
ELENCO Ester Laccava, Laerte Mello
PRODUÇÃO Brasil, 2013, 12 anos
AVALIAÇÃO bom
Fonte: Folha de S. Paulo
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